Consequências, vantagens e riscos do PL 3.711/2022
Eulália Alvarenga e Paulo Feitosa
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou, em 2º turno, o Projeto de Lei (PL) 3.711/22, de autoria do deputado Hely Tarquínio. O PL autoriza o Poder Executivo a celebrar Contrato de Confissão e Refinanciamento de Dívidas com a União, amparado pelo que determina a Lei Complementar Federal (LC) 178, de maio de 2017, em seu artigo 23.
O PL tem sido saudado como estando mais de acordo com as tradições políticas de altivez e soberania que são característica de nosso Estado, e uma alternativa à adesão compulsória ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), instituído pela Lei Complementar 159, de maio de 2017.
Vale observar que a aprovação da LC 178/21 se deveu ao reconhecimento pela União do agravamento da crise fiscal e financeira de estados e municípios, em razão da pandemia, permitindo a promoção de uma revisão do RRF.
Em linhas gerais, conforme previsto no artigo 23 da nova LC, e difundido pelo Governo Federal, o processo de renegociação e refinanciamento de dívidas entre Estados e União traz condições mais favoráveis de quitação de dívidas, procurando ampliar o preceito da transparência fiscal. Mais importante, não condiciona a adesão dos entes subnacionais ao RRF.
Adicionalmente, estipula as mesmas condições de prazo, de 360 meses, e de encargos financeiros previstos para os estados que tivessem optado pela adesão ao RRF, que serão aplicados à parcela objeto da renegociação, a saber: as parcelas do serviço da dívida que os Estados não honraram por força de decisões liminares de suspensão de pagamento concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para ações ajuizadas até 31 de dezembro de 2019.
No caso mineiro, as parcelas referentes a juros e amortizações suspensas pela Liminar do STF estão sendo lançadas em Restos a Pagar Não Processados, que são despesas empenhadas (reservadas para o gasto), mas não pagas. Esses valores impactam a dívida consolidada, uma vez que não são incluídos na mesma. Essa contabilização permite que valores que deveriam ser contabilizados como ajuste de curto prazo sejam classificados como endividamento a longo prazo.
A justificativa do Governo de MG para a tramitação em regime de urgência do PL da adesão do Estado ao RRF, pelo temor de o Estado ser forçado a pagar R$ 40 bilhões imediatamente, caso a União consiga cassar as liminares, não apresenta consistência, exceto sob a ótica do poder de pressão, semelhante à uma chantagem do credor, de resto, capaz de inviabilizar financeiramente os entes subnacionais.
Assim, mais que os R$ 40 bilhões que seriam objeto de discussão, o valor total exigível poderia chegar a mais de R$ 152 bilhões, se acrescentados os valores de restos a pagar ao saldo da dívida contratual com a União.
Diante da submissão ao RRF e tudo o que ele representa, torna-se compreensível a reação da ALMG e dos representantes do povo mineiro, contrários à adesão a esse Regime, que, a rigor, poderia ser considerado não uma renegociação, mas uma completa capitulação.
Mas o PL 3.711 é, de fato, uma alternativa tão superior aos anseios do Estado que o RRF?
Acreditamos que não. Para enquadrar-se no estipulado no artigo 23 da LC 178/21, o estado deve admitir desistir de toda e qualquer ação judicial que tenha dado origem à situação presente. Além disso, o PL autoriza a que o Estado assine um contrato de reconhecimento de dívida, a partir do qual mesmo dívidas de origem espúria e indevida (como a capitalização de juros compostos – anatocismo; ou a discussão da inconstitucionalidade da cobrança de ou juros entre entes da federação), sejam aceitos e não possam mais ser discutidos em qualquer instância. Ou seja, o estado assume o risco de assumir dívidas que não contratou e abrir mão de direitos, em última análise, da sociedade civil mineira.
Por fim, a renegociação parece não atentar para a possibilidade de, querendo fugir do RRF, cair nos braços desse regime de submissão. Tal situação poderia surgir, dado o cheque em branco que a ALMG dá ao Executivo mineiro, mas não só, como se depreende da leitura do parágrafo 6º do artigo 23, da LC 178, transcrito abaixo:
“§ 6º Ato do Ministro de Estado da Economia estabelecerá os critérios e as
condições necessárias à aplicação do disposto neste artigo.”
Será que, depois de tantas declarações, ações e propostas já protagonizadas e proferidas pelo Ministro da Economia, é lícito confiar em que, entre as condições passíveis de serem criadas, não estão todas aquelas da LC 159/2017, aprovada com seu apoio? Você daria um cheque sem fundos a quem é um mentiroso contumaz?
Eulália Alvarenga é economista, especialista em Gestão Pública e Direito Tributário; Paulo Feitosa é professor de Economia, membro da ABEP-MG.